As sondas gémeas Voyager estão tão longe
do Sol que conseguem observar um tipo de radiação oriunda da Via Láctea
que nós cá na Terra não conseguimos. As observações podem agir como uma
espécie de Pedra de Rosetta para compreender a formação estelar em
galáxias mais distantes e antigas.
As sondas
veteranas, que foram lançadas em 1977 e que lentamente se aproximam do
limite exterior do Sistema Solar, detectaram pela primeira vez um
comprimento de onda particular apelidada de linha Lyman-Alpha oriunda da
nossa Galáxia. Ilustração de artista da sonda Voyager 1
Esta radiação é
útil porque é um traço de formação estelar noutras galáxias. As estrelas
jovens e quentes expelem os seus arredores com fotões altamente
energéticos, quebrando os electrões dos átomos de hidrogénio. Esses
átomos eventualmente encontram outro electrão e absorvem-nos para se
tornarem completos novamente. Quando o fazem, emitem dois géneros de
fotões: H-alpha e Lyman-alpha.
Os fotões H-alpha,
que se encontram na parte visível do espectro electromagnético, tendem a
viajar desimpedidos pelo gás interestelar. Mas os fotões Lyman-alpha,
que se encontram na radiação mais curta do ultravioleta, tendem a ser
absorvidos pelo gás e reemitidos mais tarde.
As complicadas
histórias e trajectórias dos fotões Lyman-alpha tornam os fotões H-alpha
sinais mais simples e tantalizantes de formação estelar - para as
estrelas que estão a distâncias menores que aproximadamente 8 mil
milhões de anos-luz. Se os fotões H-alpha têm que percorrer uma
distância maior, a expansão do Universo estica-os demasiado para os
nossos telescópios serem capazes de os detectar. Isto significa que não
conseguimos aprender mais sobre a formação estelar no início do Universo
ao estudar os fotões H-alpha que chegam até nós.
A linha Lyman-alpha
tem já por si só um menor comprimento de onda, e o ser esticada durante
vastas distâncias faz com que se desloque para a região visível e
facilmente detectável do espectro. "O único modo de observar as galáxias
primordiais e de estudar as primeiras estrelas que se formaram no
Universo é observar a radiação Lyman-alpha," afirma Rosine Lallement do
Observatório de Paris, França.
Mas mesmo embora
consigamos ver esta linha Lyman-alpha no visível, oriunda de galáxias no
Universo distante, não conseguimos ver a versão "não esticada" na
nossa. Isto é porque o Sol liberta vastas quantidades de radiação
Lyman-alpha no ultravioleta, por sua vez espalhadas pelo gás no Sistema
Solar. A luz de outras fontes Lyman-alpha na Via Láctea encontra-se
ainda no ultravioleta quando chega até nós, e perde-se no brilho da
libertação energética do Sol, tal como a chama de uma vela ao pé de um
holofote.
Agora, Lallement e
seus colegas confirmaram que as sondas Voyager conseguiram ver para lá
desta neblina, ou seja, regiões de formação estelar na Galáxia. "Ainda
vemos a radiação [do Sol], e é a radiação dominante que medimos,"
afirma. "Mas começámos a ver, sobrepostas, as pequenas fontes galácticas
que estão muito mais distantes, as fontes dos braços espirais e das
regiões de formação estelar no disco da Via Láctea."
A emissão apareceu
quando os astrónomos começaram a pesquisar o céu usando os
espectrógrafos ultravioleta nas sondas em 1993, quando a Voyager 1
estava a cerca de 40 UA do Sol (1 UA, ou Unidade Astronómica, é a
distância da Terra ao Sol).
Lallement e colegas
analisaram 10 anos de dados obtidos pela Voyager 1 e cinco anos de
dados obtidos pela Voyager 2. Descobriram que os picos nas emissões
Lyman-alpha coincidiam com emissões H-alpha previamente observadas
oriundas de regiões de formação estelar na Via Láctea.
Dado que a emissão
Lyman-alpha é apenas visível em galáxias muito distantes, e apenas a
emissão H-alpha tinha sido detectada na Via Láctea, a detecção das duas
na nossa Galáxia permitirá aos astrónomos melhor interpretar a formação
estelar noutras galáxias, afirma Lallement.
"Na Via Láctea,
sabemos exactamente onde estão as novas estrelas, o seu movimento,
sabemos tudo o que precisamos de saber para testar com exactidão os
modelos de propagação," acrescenta. "Como sabemos tudo em detalhe, é
agora possível testar estes modelos."
Jeffrey Linsky da
Universidade do Colorado em Boulder, EUA, diz que o achado é um bónus.
"A missão principal das Voyager era estudar os planetas exteriores e os
seus ambientes," escreve num comentário acerca do estudo. "Quem teria
imaginado estes novos feitos das sondas mais de 20 anos depois?"
Para conservar
energia, os sistemas das Voyager que pesquisavam os céus por sinais
Lyman-alpha foram desligados há alguns anos. "É irónico que a energia
nas Voyager continua a diminuir com o tempo, ao mesmo tempo que a
radiação Lyman-alpha oriunda da Via Láctea continua a crescer," afirma
Linsky.
Mas Lallement diz
que não se importa. A 119 e 97 UA do Sol, a Voyager 1 e 2 estão no
limite da região do espaço dominada pelo Sol e pelo seu campo magnético.
O desligar dos espectrógrafos ultravioletas permite com que as sondas
continuem a enviar dados para a Terra até pelo menos 2020.
"Pela primeira vez,
vamos realmente conseguir informação tal como se estivéssemos a viajar
no espaço interestelar," conclui Lallement. "Não me posso queixar
disso."
Source: http://www.ccvalg.pt/astronomia/noticias/2011/12/2_voyager_lyman-alpha.htm |