Domingo, 2025-06-22, 12:02:00Main | Sign Up | Login

Site menu

LogIn

Biologia

Geologia

Procura

Artigos
Main » Articles » Geologia » Ciência Viva

Excesso de velocidade
Que se passa com os neutrinos?

Experiências recentes indicam que os neutrinos poderiam mover-se mais depressa do que a luz. Teremos de dizer adeus às teorias de Einstein?

No dia 23 de setembro de 2011, uma sexta-feira, um grupo de físicos italianos anunciava ao mundo que partículas subatómicas denominadas "neutrinos” tinham ultrapassado a barreira de velocidade da luz. Há muito que a comunidade de físicos teóricos não se agitava tanto. A última revolução fora em 1997, quando os astrofísicos norte-americanos Saul Perlmutter e Brian Schmidt (prémios Nobel da Física em 2011) anunciaram que o universo estava a expandir-se. Todavia, agora, trata-se de uma excitação controlada: ainda ninguém acredita realmente que tenha caído um dos sacrossantos pilares da física moderna. Houve algum lapso na experiência? Chang Kee Jung, físico e especialista em neutrinos da Universidade de Stony Brook, em Nova Iorque, descreveu a situação de forma muito gráfica: "Não apostaria a minha mulher e os meus filhos, mas apostaria a minha casa.”

A opinião da maior parte dos físicos é que se produziu algum tipo de engano sistemático, o papão da ciência experimental: talvez alguma deficiência instrumental ou um erro no processo de medição. Não é de estranhar que no epicentro da agitação estejam os neutrinos. Trata-se de partículas que nunca deixaram de dar dores de cabeça aos físicos desde que o alemão Wolfgang Pauli postulou a sua existência, por volta de 1931. Sobretudo, porque quase não interagem com a matéria; de facto, já foram descritos como uma faca muito afiada, sem cabo... e sem gume. Poderiam atravessar um muro de chumbo com várias centenas de milhares de milhões de quilómetros de espessura como se ele fosse apenas ar.

Quase invisíveis

Relativamente aos neutrinos que provêm das reações nucleares produzidas no interior do Sol, apenas conseguimos detetar um em cada 5000 milhões, depois de terem atravessado a Terra. Foi por isso que demorou tanto tempo a caçá-los; apenas se conseguiria 20 anos depois, em 1956, por obra do engenheiro Clyde Cowan Jr. e do físico Frederik Reines.

Esta dificuldade em termos de investigação obrigou os físicos a tomar duas decisões. A primeira é utilizar grandes máquinas: quanto maior for a sua massa, mais provável será um neutrino colidir com um átomo. Assim, no Japão, surgiu o Super-Kamiokande, um detetor que contém 50 mil toneladas de água.

A segunda maneira de conseguir localizar neutrinos é enterrar o detetor à maior profundidade possível, para blindá-lo e assegurar que nada perturba a deteção. Podemos comparar a situação ao que acontece quando conversamos com um amigo afónico num café cheio de gente: o ruído dos outros a falar impede que oiçamos a sua voz. Por isso, os especialistas têm de ir para um lugar silencioso para escutar o sussurro das partículas. Os locais considerados ideais são as minas (Kamioka, no Japão; Homestake, nos Estados Unidos; Sudbury, no Canadá), ou os túneis sob montanhas (Gran Sasso, em Itália; Canfranc, em Espanha).

Em 1968, Raymond Davis, do Laboratório Nacional de Brookhaven (Estados Unidos), pensou que seria interessante estudar os neutrinos que abandonam o Sol. Devido às reações nucleares de fusão no coração da estrela, de cada vez que quatro núcleos de hidrogénio se transformam num de hélio, nascem dois neutrinos que fogem velozmente para o espaço. O objetivo de Davis era entender o que acontece no centro do astro-rei, mas deparou com algo surpreendente: a sua equipa detetava apenas 30 por cento dos neutrinos que a teoria afirmava deverem chegar à Terra.

O "problema dos neutrinos solares” seria confirmado, em 1989, pelo Kamiokande nipónico (precursor do atual). Algum tempo depois, em 2002, a experiência do Solar Neutrino Observatory (SNO), realizada em Sudbury (Canadá),  demonstrou que, do número total de neutrinos produzidos pelo Sol, apenas um terço chega ao nosso planeta. O que se passa? Pois bem, algo que o físico italiano Bruno Pontecorvo vaticinara muito antes, em 1957: a oscilação do neutrino.

A questão é que existem, na realidade, três tipos (ou "sabores”) de neutrinos (incluídos em diferentes famílias de leptões, os neutrinos podem ser eletrónicos, muónicos ou tautónicos), e a equipa de Davis estava a detetar apenas um tipo. A única forma de explicá-lo sem deitar por terra tudo o que sabemos sobre rea­ções nucleares era admitir que, durante a viagem, o neutrino muda de traje e transforma-se num dos outros dois. Em 1998, uma equipa de físicos japoneses e norte-americanos conseguiu demonstrar, no Super-Kamiokande, que essa oscilação se verificava com os neutrinos produzidos na atmosfera pelas colisões de raios cósmicos.

Mais devagar!

O facto de o neutrino oscilar fez os físicos de partículas olhar para outro lado da questão. E tinham essa obrigação: se o neutrino oscila, é porque tem massa; poderá ser muito pequena, mas não é nula. Quanto muito, será menos de uma milionésima parte da massa do eletrão. Trata-se de más notícias para a cuidadosa construção que os cientistas edificaram para explicar o mundo subatómico, conhecida pelo nome de "modelo padrão”. Segundo este, a massa do neutrino é estritamente zero. Mas eis que surgem os dados experimentais, deitando-lhes a língua de fora e exigindo uma mudança, talvez radical.

A massa do neutrino encerra outras importantes consequências. Se não a possuísse, deslocar-se-ia à velocidade da luz; porém, ao tê-la, viaja mais devagar, e é aqui que surge um novo problema.

Dez antes antes da célebre conferência de imprensa de setembro passado, o físico Guang-Jiong Ni, da Universidade Fudan, em Xangai (China), publicou vários artigos teóricos nos quais defendia que podiam existir, no universo, partículas supralumínicos (mais velozes do que a luz), e explicitando que uma delas era o neutrino. Em 2007, a experiência norte-americana MINOS observou indícios que apontavam para uma velocidade superior à da luz, mas um erro de medição não permitiu ir mais longe. Posteriormente, em 2011, os italianos do projeto OPERA (Oscillation Project With Emulsion-Tracking Apparatus) procuraram estudar a oscilação do neutrino com recurso a um detetor gigante de 1800 toneladas.

Foram enviados feixes de neutrinos das instalações do CERN, em Genebra, para o laboratório subterrâneo italiano de Gran Sasso. Tratava-se de uma viagem de 730 quilómetros que foi percorrida em menos de três milésimos de segundo, pelo que se torna fácil imaginar a precisão com que as medições têm de ser feitas. Segundo a equipa transalpina, os neutrinos chegaram 60 nanossegundos (60 milmilionésimos de segundo) mais depressa do que a luz levaria a cobrir o mesmo trajeto. Para mais, afirmam que os resultados obtidos possuem um significado estatístico de seis sigmas, uma forma de avaliar a credibilidade estatística de um resultado. Um valor de cinco sigmas é suficiente para uma conclusão ser aceite; um de seis sigmas dá para abrir a garrafa de champanhe. Isso costuma ocorrer, porém, no final de uma experiência normal; não de uma que faz ir pelos ares uma das teorias científicas fundamentais do século XX.

E agora, o que se segue?

A comunidade científica recebeu os resultados com ceticismo e advertiu que é preciso esperar por outras experiências que os confirmem ou desmintam. Muitos pensam que se cometeu um erro, pois este comportamento do neutrino não se enquadra com outros já conhecidos. Por exemplo, o do feixe das partículas que alcançou a Terra por ocasião da explosão, a 23 de fevereiro de 1987, de uma supernova numa das nossas galáxias satélites, a Grande Nuvem de Magalhães. Os neutrinos chegaram ao nosso planeta três horas antes da claridade produzida pela explosão, pois os fotões não possuem a capacidade fantasmagórica dos neutrinos de atravessar a matéria sem qualquer interação. Todavia, se tivessem viajado mais rápido do que a luz, tê-los-íamos acolhido 4,14 anos antes, segundo cálculos do físico Ben Still, da Universidade de Londres.

Surgiram montanhas de artigos a desmontar o que poderíamos designar por "o caso dos neutrinos supralumínicos”. Não apenas porque os físicos acham uma presunção descartar a teoria especial da relatividade como porque, a ser assim, desabaria um dos princípios mais acarinhados pela ciência: a causalidade. A razão é simples: qualquer partícula que se desloque mais depressa do que a luz viaja para trás no tempo. A queda dessa barreira cósmica que é o valor da velocidade da luz permitiria a um comboio chegar à estação antes de partir, e isso é algo de inaceitável com base numa única experiência.

Será preciso aguardar. Os físicos não tardarão a repetir a experiência. Entretanto, a moral desta história do neutrino parece ser que a partícula em questão está determinada a acabar com a física do século passado.



Source: http://www.superinteressante.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=1072:excesso-de-velocidade&catid=15:artigos
Category: Ciência Viva | Added by: rubendesa (2012-03-21) W
Views: 204 | Rating: 0.0/0
Total comments: 0
Only registered users can add comments.
[ Sign Up | Login ]
Copyright MyCorp © 2025 | Make a free website with uCoz